domingo, julho 11, 2004
Qualquer golfinho é infinitamente superior. Qualquer cisne é superiormente fiel. Qualquer gato é fielmente elegante. Qualquer cavalo é elegantemente corajoso. Qualquer pardal é corajosamente inteligente. Qualquer borboleta é inteligentemente bela. Qualquer águia é beleza pura. Qualquer mar é puramente enorme. Qualquer sombra é enormemente misteriosa. Qualquer ideia misteriosamente escura.
Só o homem não faz parte da ordem natural das coisas.
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8:45 da tarde
domingo, maio 23, 2004
É como somos, tu e eu pedaços de nada em plenitude, ilhas separadas por um mar de enganos, em desespero e saudade que não acaba nunca.
É o que somos, tu eu eu esmagados pela falta de sentido que as coisas todas não fazem nunca, sempre, às vezes ou apenas quando te abraço.
É porque somos, tu eu eu sem já mais infinito nem distância nem lógica nem sequer audácia, tu e eu juntos no vazio escuro, como gémeos de mães diferentes.
enviado por C |
2:22 da tarde
sábado, fevereiro 14, 2004
gesto
Estendo-te os braços
ris o teu riso,
toda tu és riso
e vais fugindo
correndo
rodando
rodopiando
volteias
em voltas loucas
que ficam no ar
girando
sobre si mesmas
como rindo elas também
como tu correndo
daqui para ali
muito sem sentido
como a Lua cheia
deixando rastos
brancos
iluminando
os caminhos
subindo
descendo
saltitando
livre
sempre livre
como a vida
como a morte
como apenas tu
sabes ser
minha vida,
longe e perto
lá ao longe
e já aqui
tão distante.
Ninguém te poderá
apanhar
segurar
agarrar
a tua mão
que teima
em dizer adeus
mas não despede
nem saúda
fica no ar
duvidosa
girando
como se quisesse dizer
até já
já vou
ou
se me queres,
vem cá buscar-me.
1.10.77
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7:06 da tarde
terça-feira, outubro 28, 2003
Da escura imensidão das trevas Um fio de luz emerge, Tímido mas seguro, Como rasgo inicial, Princípio de todas as coisas. As árvores dançam suavemente ao sabor da brisa leve E a noite já se esconde por detrás dos picos brancos. Ao longe um lago plácido, como espelho de prata Reflectindo núvens difusas e breves, paz e melancolia. Em fundo ecoa uma flauta, talvez de algum pastor Perdido na imensidão das montanhas verdes. Vem o sol a caminho, a luz do novo dia, Mas este o melhor de todos, glorioso, Promessas em cascata de ribeiro manso, Água deslizando em desfiladeiro De pedra branca em pedra branca, Seixos quietos neste caminho de peixes. Na velha cabana em madeira antiga Sai um fio de fumo branco da chaminé, E perto um cavalo pasta mansamente A relva em volta dos castanheiros. Já as sombras desaparecem, Algures um rouxinol canta, E algum outro lhe responde. Que alegria, o dia já nasceu, E despede-se agora da noite Com amizade, com saudade já, Adeus, noite, vai, vai, Sem medo nem castigo. Logo voltas E despedimo-nos outra vez. Mas agora vai, deixa-me, É bom estar vivo E começar tudo de novo Como se nunca nada tivesse existido.
Concerto para piano e orquestra em Lá Maior, Adagio Assai, Maurice Ravel
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5:48 da tarde
quinta-feira, outubro 23, 2003
manual de pesadelos
Oiço ainda o crepitar das tuas lágrimas e em terríveis pesadelos vejo o teu corpo já cadáver, ilha de lava petrificada com cratera de vulcão ao meio, o teu coração, de onde escorre para o mar um rio de sangue negro. Recordo-te em vida, rindo, criança, as coisas leves que dizias, poeta, e achava-te impossível (sabias?) mesmo quando não entendia nada e ficava à espera de te ouvir rir de novo.
E é isto sempre, quando o dia está a nascer, a minha hora, a que te ofereci tantas vezes, oiço uma voz no quarto onde estou só eu, oiço-me dizer "não, não me morras tu agora" olha, agora não, que não há vento lá fora não me deixes assim, espera, fica, só mais um instante, por favor, juro que depois deixo-te dormir outra vez.
E umas vezes acordo, outras não, mas nunca tenho a certeza se me morreste mesmo, ou se alguma vez exististe, sequer, ou se fui eu quem te imaginou se fui eu quem te deixou partir se fui eu quem te deixou para sempre, lágrimas e riso ao mesmo tempo.
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4:14 da tarde
segunda-feira, outubro 20, 2003
Nós andamos cá para fazer os outros felizes. Contigo, sinto-me perto de Deus. O que tu me dás? Paz, muita paz. Só o amor faz sentido. Não sei se a tua lucidez não será má para ti. Preciso de ti, se não puder ser de outra maneira, mesmo por empréstimo. Tu és um bom ser-humano. Genuíno e íntegro, pelo menos.
Quando eu morrer, coração, levo estas tuas palavras comigo, a rebentar de orgulho por te ter conhecido. A eternidade é isso também, o que alguém nos disse em exclusivo.
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12:20 da manhã
domingo, outubro 19, 2003
... e acabamos em pequena morte, abraçados, o sangue ainda fervendo, a pele de ambos rebrilhando, num só corpo, numa vida só. É então que o tempo pára, que não há vento nem ruído, que no mundo não há mais nada, nem a mais vaga recordação. Abres os olhos por um momento e sorris só para mim. É então que sei o que é a paz e que, afinal, não acabamos nada; apenas recomeçamos.
E acabamos em pequena morte, abraçados, o sangue ainda fervendo, a pele de ambos rebrilhando, num só corpo, numa vida só. É então que o tempo pára, que não há vento nem ruído, que no mundo não há mais nada, nem a mais vaga recordação. Abres os olhos por um momento e sorris só para mim. É então que sei o que é a paz. E que afinal não acabamos nada. Apenas recomeçamos.
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6:02 da tarde
quarta-feira, outubro 08, 2003
Vive a vida agora como se fosses chuva reluzente e fria. Vive a vida hoje como se fosses relógio sem ponteiros. Vive a vida sempre como se tivesses o cálice sagrado da coragem. Leva contigo um mapa ou segue apenas a tua estrela. E nunca te esqueças de como é preciosa a vida que levas contigo: o teu destino gravado a fogo na alma que é só tua.
para ti, L.
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12:54 da tarde
sexta-feira, setembro 26, 2003
Simples? Lembras-te dos nossos sonhos? De quando a vida era uma criança? Lembras-te de como tudo era perfeito? Daqueles tempos em que o Sol Apenas se punha ou só nascia? Lembras-te das rosas que nunca te dei? Lembras-te dos espinhos, tão suaves eram? Olha agora o que te dizia, e tu incrédula, Renitente, não, não, não pode ser. Vês? Aconteceu tudo o que te disse E pior ainda: agora não resta pouco, Sobra ódio em grande quantidade.
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2:56 da manhã
quinta-feira, setembro 25, 2003
dois
Tens o coração despedaçado E não sabes o que fazer agora Com os cacos e o que sobra Do teu desespero em carne viva. Sombra esfarrapada, negro véu Debaixo do sol escurecido. Tu e só tu, mais nada, Nem ninguém, nem coisa alguma, Agora de novo feto desamparado Simples vestígio do que eras Quando havia antes e depois. Tu sobras, e isso dói. Como te compreendo, irmão.
enviado por C |
1:21 da manhã
segunda-feira, setembro 22, 2003
longos momentos
O tempo foge agora mais do que nunca A memória já envelhecida atraiçoa tudo E de nós apenas restam fragmentos Como cacos de espelho cravados no peito
A tua imagem neste lago, parece-me que vejo, É a mesma de sempre, é sempre a tua E ao teu lado o mesmo pinheiro manso E por cima o mesmo sol, como o recordo E o céu azul claro com cheiro a figos.
De repente acordo muitas vezes E a minha mão procura a tua Mas dentro daquela água fria Não está nada, nada, nem sequer Uma sombra do teu reflexo.
Depois espero que o Inverno chegue E congele o lago cheio de folhas mortas Com a tua imagem lá dentro. É o que sempre fiz.
enviado por C |
1:01 da manhã
terça-feira, agosto 19, 2003
Traição? O que é traição? Traição é não findar o que acabou. Seja a vida, seja a paixão, A amizade, o amor, a caridade, Ou mesmo a vontade de viver. É deixar andar, deixar correr. É perder toda a saudade É perceber que nada passou. Traição é um gosto metálico na boca Como quem trinca um pedaço de ferro É o coração em correria louca Não poder a gente soltar um berro Quando até a alma chora e sangra. É uma rima imperfeita É uma frase tosca É a sensação de inacabado Ou que nunca nada valeu a pena. Traição? É não saber de repente O que afinal faz sentido. É como vir à boca de cena E não saber o que dizer. É um charco de lama cheio de nada Que emporcalha uma só pessoa. Traição? Sei lá bem o que é traição. Talvez a gente deixar de ser Talvez deixar de ser gente Talvez um gemer sem gemido Ou talvez voltar a nascer E não querer. Traição? Não é coisa boa. Isso não.
enviado por C |
11:50 da tarde
segunda-feira, junho 16, 2003
E talvez foi Deus quem deixou que assim fosse
Disse "fiat", simplesmente, e assim se fez.
Com toda a modéstia e como se nada fosse
Milagre enfim, se não acaso, ou apenas outra vez.
Quem sabe, poderia não ter isto acontecido
Ao menos assim, tão de repente, inesperado,
Ainda por cá andasses, ou a tua sombra apenas.
É disto que eras feito, igual ao meu o teu tecido
Da mesma árvore, antiga e gasta, o teu cajado.
Diz daí adeus, e diz saúde!; olha, vês, agora acenas.
enviado por C |
2:42 da manhã
segunda-feira, maio 05, 2003
Hino ao humaníssimo comodismo técnico
A água caía violentamente, torrente, jorro frio.
Assim sacudido, o metal oferecia-se à escorrência.
De todos os lados, jactos saíam em fúria.
Deslocação de ar líquido em "geiser"
emergindo das entranhas da máquina.
A humana criatura, vacilante,
Temendo a desconjunção
que o metal ao extremo oferece,
agita-se em tremuras:
"E se alguma coisa falha,
se a técnica tem avaria?... ".
Pouco depois, a paragem,
suavizado o ruído da fúria, da tão sólida engrenagem.
Elementos já calmos, dão a visão nítida: rebrilhante!
Conduzindo devagar, ela sai dentro do carro
para fora da lavagem automática.
Suspira: "Obrigada, Adamastor,
por seres tão previsível:
um ínfimo botão vermelho,
e a borrasca cessa...
O Silêncio é quem manda
e eu, faço o silêncio calar-se
se a técnica o permitir à humaníssima arrogância..."
enviado por Anónimo |
6:56 da tarde
sexta-feira, fevereiro 21, 2003
… Oh raça da passa,
a couraça da massa
que é gente que passa
que é traça, carraça
e por onde passa
esburaca ou rouba sangue
… e langue… langue…
enviado por Anónimo |
9:31 da tarde
… O pensamento é o céu por dentro do corpo.
Estar a ler é estar a viver no pensamento; é estar a voar.
O que é preciso para ler?
Abrir as asas e deixar-se cair no pensamento, cair nos céus uns dos outros,
porque por dentro todos somos de céu… infinita verdade!
As palavras escritas vão de dentro de quem as escreve para dentro de quem as lê.
Os livros contam sonhos. As palavras nos livros são silenciosas como os pensamentos,
como o interior das pessoas. Ler, como escrever, é silenciosamente apresentar-se, é silenciosamente conhecer – é ser e conhecer por dentro de si, e por dentro não há fim, e o pensamento não tem fim…
O que é preciso para ler?
Acreditar.
O que é preciso para viver?
Acreditar.
enviado por Anónimo |
9:26 da tarde
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